2 de out. de 2010

De onde vieram todas as flores?

Charles Darwin (1809-1882 - 73 anos)

Olá!
Estou fazendo uma pesquisa sobre flores e me deparei com este texto maravilhoso de Carl Zimmer (escritor e blogueiro norte-americano de livros e artigos sobre ciência) que não pude deixar de publicar a vocês.
Este texto tenta buscar a origem das flores e passeia pelo mundo de Darwin, Goethe e outros especialistas do mundo da biologia.
Boa leitura e deixe os seus comentários sobre este assunto!

Ao longo de sua vida, Charles Darwin se cercou de flores. Aos 10 anos, ele anotou todas as vezes que uma peônia nasceu no jardim de seu pai. Quando comprou uma casa para criar sua própria família, transformou o quintal numa estação de campo botânica, onde realizou experimentos com flores até sua morte. Porém, apesar de sua íntima familiaridade com as flores, o cientista certa vez escreveu que a evolução delas era um "abominável mistério".

Darwin pôde ver por si mesmo o sucesso das plantas com flores, ou angiospermas. Elas são a maioria das espécies vivas de plantas, e dominam muitos dos ecossistemas do mundo, de florestas tropicais a pastos. Elas também dominam nosso plantio. É das flores que vem a maior parte das calorias consumidas pelos humanos, na forma de alimentos como o milho, o arroz e o trigo. As flores são igualmente impressionantes em sua absoluta diversidade de formatos e cores, das abundantes e encorpadas rosas às orquídeas parecidas com aranhas, passando pelos lírios em formato de urnas.

O registro de fósseis, entretanto, trouxe poucas explicações a Darwin sobre a evolução inicial das flores. Na época, os fósseis mais antigos de angiospermas vinham de rochas formadas de 100 a 66 milhões de anos atrás, durante o período Cretáceo. Paleontólogos encontraram uma grande diversidade de formas, e não apenas alguns precursores primitivos.

Muito depois da morte de Darwin em 1882, a história das flores continuou a incomodar os cientistas. Falando com especialistas hoje em dia, entretanto, percebe-se uma ponta de cauteloso otimismo. "Há uma energia que nunca presenciei em minha vida", disse William Friedman, biólogo evolucionista da Universidade do Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos.

A descoberta de novos fósseis é uma das fontes desse novo entusiasmo. Mas os cientistas também estão encontrando uma riqueza de pistas em flores vivas e seus genes. Eles seguem separando as receitas codificadas no DNA de plantas para construir diferentes tipos de flores. A pesquisa indica que as flores evoluíram à sua maravilhosa diversidade basicamente da mesma forma que os olhos e membros: reciclando genes antigos para realizar novas tarefas.

Até recentemente, os pesquisadores estavam divididos a respeito de como as flores se relacionavam com outras plantas. Graças a estudos sobre o DNA das plantas, essa associação está mais clara.
"Havia todo o tipo de idéias por aí, e muitas delas foram refutadas", disse James A. Doyle, um paleobotânico da Universidade da Califórnia, em Davis.

Hoje está claro, por exemplo, que os parentes vivos mais próximos das flores são as espécies sem flores que produzem sementes, um grupo que inclui os pinheiros. Infelizmente, as plantas são todas ligadas intimamente umas às outras, e nenhuma é mais ligada às flores do que qualquer uma das outras.
As plantas que poderiam documentar os estágios iniciais do surgimento da flor aparentemente foram extintas há milhões de anos. "A única maneira de encontrá-las é através dos fósseis", disse Doyle.

Nos últimos anos, cientistas conseguiram empurrar o registro de fósseis de flores para cerca de 136 milhões de anos atrás. Eles também encontraram resíduos fossilizados de misteriosas plantas de sementes, extintas, algumas das quais produziam sementes em estruturas que lembravam vagamente uma flor. Porém, os fósseis mais intrigantes são também os mais fragmentados, o que deixa os paleobotânicos profundamente divididos sobre quais deles seriam mais próximos das flores.

"Não existe consenso", explica Doyle. Existe um consenso, porém, quando falamos da evolução inicial das flores em si. Estudando o DNA de muitas angiospermas, cientistas descobriram que algumas espécies representam as linhagens mais antigas, porém vivas atualmente. O tipo mais velho de todos é representado por apenas uma espécie: um arbusto chamado Amborella, encontrado apenas na ilha de Nova Caledônia, no Pacífico Sul.

Flores de lótus e estrelas-de-anis representam as próximas linhagens mais antigas que ainda vivem.
Se pudesse viajar para 130 milhões de anos atrás, você poderia não se impressionar muito com as primeiras flores. "Não parecia que elas iriam a algum lugar", disse Doyle. Aquelas flores eram pequenas e raras, vivendo nas sombras das plantas sem flores, muito mais bem-sucedidas. Passaram-se milhares de anos até que as flores acertassem o passo.

Cerca de 120 milhões de anos atrás, evoluiu um novo tipo de flor - que acabou dominando muitas florestas e explodiu em diversidade. Aquela linhagem inclui 99% de todas as espécies de angiospermas existentes hoje na Terra, desde magnólias a dentes-de-leão e abóboras. Aquela explosão de diversidade também produziu a erupção de fósseis de flores que tanto intrigaram Darwin.

Todas as flores, a partir da Amborella, possuem a mesma anatomia básica. Praticamente todas elas possuem estruturas como as pétalas, que envolvem os órgãos masculinos e femininos. As primeiras flores eram provavelmente pequenas e simples, como flores Amborella modernas.

Mais tarde, em seis linhagens, as flores se tornaram mais complicadas. Elas desenvolveram um círculo interno de pétalas, que se tornou grande e chamativo, e um círculo externo de partes geralmente verdes, parecidas com folhas, chamadas sépalas, responsáveis por protegerem as flores jovens enquanto crescem.

Com base nessa recente descoberta, pareceria que uma pétala não é uma pétala. As flores de, digamos, uma árvore Asimina, desenvolvem pétalas evoluídas independentemente das pétalas de uma rosa. Porém, os genes que montam as flores indicam que a história não é tão simples assim.

No final da década de 1980, cientistas descobriram os primeiros genes que direcionam o desenvolvimento de flores. Eles estudavam uma pequena planta chamada Arabidopsis, um rato de laboratório botânico, quando observaram que as mutações poderiam disparar alterações grotescas.

Algumas mutações causavam o crescimento de pétalas onde deveria haver o estame, os órgãos masculinos das flores. Outras mutações transformavam o círculo interno de pétalas em sépalas, ou sépalas em folhas.
A descoberta era um extraordinário eco de idéias lançadas inicialmente pelo poeta alemão Goethe, que, além de ter escrito "Fausto", era também um cuidadoso observador de plantas.

Em 1790, Goethe escreveu um ensaio visionário chamado "A Morfologia das Plantas", onde argumentava que todos os órgãos das plantas, incluindo as flores, surgiam como folhas. "Do começo ao fim", ele escreveu, "a planta nada mais é do que uma folha".

Dois séculos mais tarde, cientistas descobriram que mutações em genes poderiam causar transformações radicais, como aquelas previstas por Goethe. Nas últimas duas décadas, pesquisadores investigaram como os genes revelavam o funcionamento dessas mutações em flores normais. Os genes codificam proteínas capazes de ligar outros genes, que por sua vez podem ligar ou desligar outros genes. Juntos, os genes podem disparar o desenvolvimento de uma pétala ou qualquer outra parte de uma flor Arabidopsis.

Cientistas estão estudando esses genes para descobrir como surgem as novas flores. Eles encontraram versões dos genes capazes de criar as flores Arabidopsis em outras espécies, incluindo na Amborella. Em muitos casos, os genes foram acidentalmente duplicados em diferentes linhagens.

Encontrar esses genes construtores de flores, entretanto, não diz automaticamente aos cientistas qual seria sua função numa flor em crescimento. Para responder a essa pergunta, os cientistas precisam mexer com os genes de plantas. Infelizmente, nenhuma planta é tão fácil de mexer quanto a Arabidopsis, então as respostas estão apenas começando a aparecer.

Vivian Irish, uma bióloga evolucionista de Yale, e seus colegas estão aprendendo a manipular papoulas, porque, segundo Irish, "as papoulas desenvolvem pétalas independentemente". Ela e seus colegas identificaram genes criadores de flores quando desligaram alguns deles, e acabaram produzindo flores monstruosas como resultado.

Ao que parece, os genes são parentes daqueles que constroem as flores Arabidopsis. Na Arabidopsis, por exemplo, um gene chamado AP3 é necessário para criar pétalas e estames. As papoulas possuem duas cópias de uma versão relacionada ao gene, chamada paleoAP3. Porém, Irish e seus colegas descobriram que os dois genes produziam diferentes efeitos. Desligar um deles transforma as pétalas. O outro transforma os estames.

Os resultados, segundo Irish, mostram que as flores de antigamente criaram um kit básico de ferramentas que marcava diferentes regiões do caule. Esses genes geográficos produziam proteínas que podiam, então, ligar outros genes envolvidos na construção de diferentes estruturas. Com o tempo, os genes podiam trocar o controle de um grupo de genes para outro, criando novas flores.

Por isso, as pétalas numa papoula evoluíam independentemente das pétalas na Arabidopsis, mas ambas as flores usam o mesmo tipo de genes para controlar seu crescimento. Se Irish estiver certa, as flores evoluíram basicamente da mesma maneira que a nossa própria anatomia. Nossas pernas, por exemplo, evoluíram independentemente das pernas das moscas - contudo, muitos dos antigos genes criadores de apêndices eram convocados para construir aqueles membros diferentes.

"Eu acho muito legal que animais e plantas tenham usado estratégias similares", disse Irish, "embora com genes diferentes". Irish afirma, entretanto, que seus estudos de pétalas são apenas uma parte da história. "Muitas coisas aconteceram quando a flor se abriu", disse ela. As flores criaram um novo arranjo de órgãos sexuais, por exemplo. "Um pinheiro tem pinhas machos e fêmeas", explicou, "mas as flores possuem órgãos masculinos e femininos no mesmo eixo".

Quando os órgãos sexuais foram colocados juntos eles passaram por uma mudança, invisível a olho nu, que pode ter levado as flores a sua posição dominante no mundo das plantas. Quando um grão de pólen fertiliza um óvulo, ele proporciona dois grupos de DNA. Enquanto um grupo fertiliza o ovo, o outro é destinado para a bolsa que cerca o mesmo. Essa bolsa é preenchida com endosperma, um material rígido capaz de estimular o crescimento de um ovo para uma semente. Ele também estimula nosso próprio crescimento, quando comemos milho, arroz ou outros grãos.

Nas primeiras flores, o endosperma acabava com um grupo de genes do pai macho, e outro grupo do pai fêmea. Porém, depois da divisão de linhagens antigas como Amborella e flores de lótus, as flores preencheram seu endosperma com dois grupos de genes da mãe e um do pai.

Friedman, da Universidade do Colorado, em Boulder, documentou a transição, e não acha que foi uma coincidência que as angiospermas atravessaram uma explosão evolucionária após ganharem um grupo extra de genes em seu endosperma. É possível, por exemplo, com os genes adicionais, a possibilidade de o endosperma produzir mais proteínas. "Seria como ter um motor maior", explicou Friedman.

Outros especialistas concordam que a transição ocorreu, mas não estão certos de que esse seja o segredo para o sucesso das flores. "Não sei por que isso deveria ser tão maravilhoso", disse Doyle. Enquanto Friedman estudava como o grupo extra de genes evoluía nas flores, ele mais uma vez foi atraído à visão de Goethe de fontes simples e resultados complexos.

Flores com um único grupo de DNA feminino em seu endosperma, como as flores de lótus, começam com um único núcleo em uma ponta da bolsa do embrião. Ele se divide, e um núcleo se move para o centro da bolsa para se tornar parte do endosperma.

Mais para frente, surgiu uma variação. Numa rosa, ou numa papoula, um único núcleo começa em uma ponta da bolsa. Porém, quando o núcleo se divide, um deles vai até a outra ponta da bolsa. Esses dois núcleos também se dividem, e então um dos núcleos de cada ponta da bolsa se move para o centro.

A duplicação, um processo simples, levou a uma maior complexidade e uma crucial mudança nas flores. "A natureza simplesmente não inventa coisas do nada", disse Friedman. "Ela cria inovações de maneiras muito simples. Elas não são radicais ou misteriosas. Goethe já havia compreendido isso".

Autor:  Carl Zimmer do The New York Times - blog: http://carlzimmer.com
Tradução: Pedro Kuyumjian
Fonte: Portal Ciência e Vida - http://sociologiacienciaevida.uol.com.br



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